22 de mar. de 2006

Editorial do Globo de 22/03/2006

Copy & paste
Desordem jurídica

A quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa é tão repulsiva quanto pedagógica. De gravidade indiscutível, por invadir, sem ordem judicial, a privacidade de um cidadão, a obtenção criminosa do extrato da conta do caseiro também revela de maneira cristalina o risco que corre a sociedade quando o Estado passa a atender a interesses de grupos políticos no governo.

Na noite de quinta-feira da semana passada, depois de confirmar na CPI dos Bingos a denúncia contra o ministro Antonio Palocci, e ter o depoimento suspenso pelo STF, Francenildo foi à Polícia Federal atrás de proteção. Foram-lhe pedidos documentos e o cartão da conta que mantinha na Caixa Econômica Federal. E às 20h58m21, conforme registrado no extrato da conta obtido pela revista “Época”, alguém, depois do expediente bancário portanto, imprimiu o que seria a prova de que o caseiro teria recebido propina para depor sobre o cotidiano da mansão do Lago Sul. Naquele momento, Francenildo continuava na PF, supostamente protegido.

Consta que o extrato circulou na mesma noite no Ministério da Fazenda, e a descoberta de depósitos de R$ 38.860 feitos na conta do caseiro teria sido comunicada ao presidente da República. É provável que tenha sido transmitida como boa notícia. Independentemente do fato de Francenildo ter uma explicação razoável para a origem do dinheiro, a notícia nada tinha de bom para o governo, para as instituições, para ninguém.

Às 20h58m21 de quinta-feira a ordem jurídica do país foi rompida pela invasão dos computadores de uma instituição financeira estatal, num ato comum apenas em ditaduras e regimes autoritários, em que os direitos civis inexistem diante do poder ilimitado de quem controla o Estado e sua burocracia.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a quem a PF está subordinada, declarou o que dele se esperava ouvir: “É um crime grave.”

A demora em esclarecer o delito reconhecido pelo ministro acarreta desgaste político evitável e inútil, uma vez que os computadores guardam o registro de todas as operações processadas e dos responsáveis por elas. Quanto mais cedo se demonstrar que aparelhos político-partidários instalados na máquina estatal não estão acima da lei, melhor.

Nenhum comentário: