20 de mai. de 2013

A Prova da Empadinha

Dois meses depois de concluir um tratamento que envolvera químio e radioterapia e uma cirurgia, fui fazer a prova definitiva para saber se ainda me restavam certos gostos, sabores e texturas - ou se teria de me conformar com uma nova e áspera realidade, privada de prazeres gozados por muitos anos. A prova era comer as empadinhas de camarão do Caranguejo, um querido pé-sujo de unha feita, em Copacabana.
 
O garçom serviu o prato com a primeira porção. As empadinhas do Caranguejo são famosas pela massa de perturbadora leveza, mas robusta o suficiente para só se quebrar em bloco, sem esfarelar. O tempero de seu recheio é outro milagre, mas não era o que me movia naquele momento. É que, para quem sofreu 33 aplicações de radiação na região do pescoço, mandar uma empadinha para dentro é uma façanha.

Uma consequência da radioterapia nessa região é uma saarização do ambiente. A salivação pode ficar tão comprometida que obriga o sujeito a dar adeus a coisas muito secas, como farinha, farofa e ... empadinhas. Em raros casos, se as glândulas não tiverem sido mortalmente atingidas, haverá uma relativa recuperação da lubrificação, que ainda pode ser estimulada com limonada ou coisas que deem "água na boca".

A primeira empadinha foi atacada com cautela, tendo ao lado um copo d'água, por via das dúvidas. O naco comportou-se bem e desceu com suavidade pela epiglote. Mandei o segundo - idem. Agora, o teste definitivo: o naco final. Gulp. Lá se foi ele, sem problemas. Eu estava salvo. Atirei-me às outras. Tudo isso foi em fins de 2005 e, desde então, quase mil empadinhas já foram engolidas com amor. 

Quando Lula vier ao Rio, alguém deveria levá-lo ao Caranguejo. O ex-presidente também foi irradiado. Falta-lhe, talvez, fazer a prova das empadinhas para voltar a ser feliz.
Ruy Castro, FSP 21/09/2012

Nota do Blogueiro: Que o Molusco vá fazer a sua prova de empadinhas em Cuba. E que não volte mais. 

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