Dois meses depois de concluir um tratamento que envolvera químio e
radioterapia e uma cirurgia, fui fazer a prova definitiva para saber se
ainda me restavam certos gostos, sabores e texturas - ou se teria de me
conformar com uma nova e áspera realidade, privada de prazeres gozados
por muitos anos. A prova era comer as empadinhas de camarão do
Caranguejo, um querido pé-sujo de unha feita, em Copacabana.
O garçom serviu o prato com a primeira porção. As empadinhas do
Caranguejo são famosas pela massa de perturbadora leveza, mas robusta o
suficiente para só se quebrar em bloco, sem esfarelar. O tempero de seu
recheio é outro milagre, mas não era o que me movia naquele momento. É
que, para quem sofreu 33 aplicações de radiação na região do pescoço,
mandar uma empadinha para dentro é uma façanha.
Uma consequência da radioterapia nessa região é uma saarização do
ambiente. A salivação pode ficar tão comprometida que obriga o sujeito a
dar adeus a coisas muito secas, como farinha, farofa e ... empadinhas.
Em raros casos, se as glândulas não tiverem sido mortalmente atingidas,
haverá uma relativa recuperação da lubrificação, que ainda pode ser
estimulada com limonada ou coisas que deem "água na boca".
A primeira empadinha foi atacada com cautela, tendo ao lado um copo
d'água, por via das dúvidas. O naco comportou-se bem e desceu com
suavidade pela epiglote. Mandei o segundo - idem. Agora, o teste
definitivo: o naco final. Gulp. Lá se foi ele, sem problemas. Eu estava
salvo. Atirei-me às outras. Tudo isso foi em fins de 2005 e, desde
então, quase mil empadinhas já foram engolidas com amor.
Quando Lula vier ao Rio, alguém deveria levá-lo ao Caranguejo. O
ex-presidente também foi irradiado. Falta-lhe, talvez, fazer a prova das
empadinhas para voltar a ser feliz.
Ruy Castro, FSP 21/09/2012
Nota do Blogueiro: Que o Molusco vá fazer a sua prova de empadinhas em Cuba. E que não volte mais.
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